quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

POETRY WALES: revista galesa de poesia

O quê?

Lançamento da revista Poetry Wales, do País de Gales, com poemas de poetas brasileiros como Flávia Rocha, Dirceu Villa, Rodrigo Petronio e Virna Teixeira, além de poetas do Reino Unido, Argentina, EUA e Canadá.

Estarão presentes Robert Minhinnick, poeta e editor da Poetry Wales, e o poeta Iwan Llwyd, que também discutirão a poesia de Dylan Thomas no encontro.

Quando? Onde?

7/12
Sexta-feira
às 19:30h
na Academia Internacional de Cinema (AIC)
Rua Dr. Gabriel dos Santos, 142
11 3826 7883 Higienópolis SP
aicinema.wordpress.com
ENTRADA FRANCA

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

HOJE



Hoje tem o lançamento da revista Modo de Usar & Co. Publiquei algumas coisinhas nela. Ainda não tive a revista em mãos, mas pelo prospecto ela promete. Editores: Angélica Freitas, Fabiano Calixto, Marília Garcia & Ricardo Domeneck.

Todos os simpáticos leitores (& não menos simpáticas leitoras) convidados para a agradável efeméride, claro. Endereço abaixo.

FEIRA MODERNA
RUA FRADIQUE COUTINHO, 1246/1248
VILA MADALENA - SÃO PAULO - SP
CEP 05416-001
TELEFONE: 3032-2253

[EDIT.] Neste dia 5, posso afirmar que a revista é excelente. Provavelmente a melhor revista de que já tenha participado. Recomendo enfaticamente à leitora e ao leitor, sem dúvida.

TED BERRIGAN

Ted Berrigan, tela de Alex Katz, 1967

Não faz muito tempo que Ted Berrigan (1934 - 1983) teve sua obra poética reunida num volume por sua segunda esposa, a também poeta Alice Notley. Isso aconteceu no Ano do Senhor de 2005. APESAR disso (e também, é claro, por isso), Berrigan é ainda um perfeito desconhecido por aqui.

Fez parte da chamada New York School (embora, francamente, esse negócio de escola já não fosse o cabresto que costumava ser) & eu o lembro aqui por um dos livros muito importantes que escreveu, The Sonnets. Fazia muito tempo que o soneto não ganhava nenhum destaque, mesmo porque sua forma na maior parte das vezes exibia apenas o esgotamento do uso repetitivo.

Mas Berrigan revitalizou o soneto tomando a base da forma antiga e injetando nela aspectos composicionais que a repropõem como estrutura pequena, argumentativa e por vezes musical (o soneto já desviava da proposta efetivamente musical de sua antecessora, a canção): esses aspectos são a fragmentação do discurso & o uso formal do verso livre (que na verdade utiliza uma idéia de limites métricos) .

O resultado é de um frescor inédito para esses últimos 150 anos de emprego da forma, muitas vezes puramente inercial, mecânico, insensível formalmente. Traduzi apenas o 53, mas é um livro que pede para ser lido e apreciado in toto, o que sugiro à leitora & ao leitor sempre curiosos.

Dos Sonetos

LIII

Sobre a página o poema é maciço como
as coxas de Anne eeee corpo a corpo quente nos deitamos
Serenos sob as dobras doces, brilho frio
em nosso branco ardor eeee faminto eeee saboreado e
Indo ao cinema eeee combustão atordoante
em toda parte! eeee como Gertrude Stein em Radcliffe,
Patsy Padgett repleta com barriga adolescente! eeee todas
grávidas num átimo e ninguém feliz!
Ó beijos úmidos, o poema sobre a página
Pode contar de dentes que jamais imaginou
que mordessem, ou nem ser reconfortante! Bebês
não são Etimologia ou pontos numa tábua eeee ou sonhos
de correspondência! eeee Foder é tão charmoso
Quem pode dizer não a isso depois?

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Curso de POESIA Contemporânea: Um panorama internacional

De 24/11/2007 a 15/12/2007

O curso Poesia Contemporânea: Um Panorama Internacional com ANA RÜSCHE e DIRCEU VILLA irá apresentar de forma acessível os principais poetas que produziram durante a segunda metade do século XX. Além do apanhado crítico e teórico que pressupõe o curso, os textos serão passados em forma de leitura, com detalhes bibliográficos, para que a apreensão do conteúdo seja interessante e atrativa a todos.

Programa proposto
1° Encontro – Um mundo em pedaços: o pós-guerra
- Juan Rulfo
- Pier Paolo Pasolini
- Derek Walcott
- Hans Magnus Enzensberger
- Yves Bonnefoy
Comentários sobre: Futurismo, Cesare Pavese, Marcel Duchamp.

2° Encontro – A era Verbivocovisual
- Joan Brossa
- Allen Ginsberg
- Seiichi Nikuni
- Dub Poetry (Linton Kwesi Johnson)
- Louis Zukofsky
Comentários sobre: Eugen Gomringer, Edwin Torres, Charles Olson, language poetry

3° Encontro – Pós-Modernismo?
- Sylvia Plath
- Ted Berrigan
- Herberto Helder
- Jerome Rothenberg
- Amiri Baraka
Comentários sobre: Francis Ponge, Thom Yorke, confluência de gêneros artísticos.

4° Encontro – Pós-guerras no Brasil
- João Cabral de Melo Neto e a geração de 45
- Concretismo: Augusto e Haroldo de Campos
- Ferreira Gullar e Roberto Piva
- Paulo Leminski e Ana Cristina César
Comentários sobre: Leonardo Fróes, Donizete Galvão, Antônio Risério, poesia pop, tendências.

A direção do b_arco é de Izabel Pinheiro, Regina Pinho e dos irmãos Gabriel, Pablo, Jiddu, Yan e Thiago Pinheiro.

Centro cultural b_arco
rua dr. virgilio de carvalho pinto 426
05415-020 São Paulo SP
Telefone para informações - (5511) 3081.6986
contato@barcovirgilio.com.brPÚBLICO ALVO
Aspirantes a escritores e poetas, estudantes, professores, e a todos aqueles que amam a literatura.
DIAS / HORÁRIOS
Sábado:Das 11h às15h
DURAÇÃO - De 24/11/2007 a 15/12/2007
VALOR - R$ 180,00 (Integral)

As inscrições poderão ser realizadas online através do site http://www.obarco.com.br/ clicando em Ficha de Inscrição; pelos telefones 11_3083-7406 e 11_3081-6986, ou no próprio prédio do b_arco situado na rua Dr. Virgílio de Carvalho Pinto, 422/426. Realizando sua inscrição pessoalmente, o pagamento poderá ser efetuado em dinheiro ou cheque.

Inscrições via site ou telefone:
Você receberá um e-mail de confirmação de reserva onde constarão os dados bancários do b_arco. O pagamento deve ser efetuado em até 48h e o respectivo comprovante enviado via e-mail cursos@obarco.com.br ou para n° de fax 11_3081-6986. O recibo de pagamento do curso será entregue ao aluno no primeiro dia de curso.

Preenchendo a Ficha de Inscrição sua vaga no curso estará reservada, porém lembramos que a inscrição só será efetivada mediante o pagamento dentro do prazo solicitado. Caso o pagamento não seja realizado dentro do prazo de 48h, nosso(a) monitor(a) entrará em contato para confirmar o interesse. A reserva poderá ser renovada somente uma vez.

Alguns cursos permitem inscrições para aulas avulsas e/ou experimentais. Para informar-se sobre os cursos que permitem tal procedimento, consulte-nos via e-mail ou telefone.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Curitiba Literária

O livro publicado pela Azougue Editorial, Etnopoesia no Milênio, de Jerome Rothenberg


Eu & Andrea Mateus fomos ver, semana passada, o evento Curitiba Literária, na bela cidade do sul. Muito bem organizado, diferente da maioria dos eventos do gênero em São Paulo, o Curitiba Literária também trouxe Jerome Rothenberg para ler e participar do lançamento de uma coletânea de seus poemas e ensaios (Etnopoesia no Milênio), da Azougue Editorial, em edição civilizadíssima, com organização do poeta e editor Sergio Cohn & ótima tradução da poeta e professora da Universidade Federal do Paraná, Luci Collin.

Ambos fomos magnificamente bem recebidos, tanto por Rothenberg quanto por Luci. Foi possível conversar longamente sobre poesia do modo mais inteligente e agradável que a leitora & o leitor puderem imaginar, & eu afirmo que esse tal modo é bebendo um capuccino no espaço ao ar livre do Café Lilás. Acabamos participando da leitura, que se encerrou - como há alguns anos em São Paulo, quando encontrei Rothenberg pela primeira vez - com uma das "Horse Songs" que desenvolveu paralelamente à canção Navajo de encantar os cavalos, no que chama "tradução total".

Foi uma bela noite, & uma bela estadia em Curitiba. Algumas fotos:


Luci Collin, Jerome Rothenberg & Andrea Mateus


Eu & parte do grupo aí de cima, no Café Lilás

Rothenberg & Luci numa das tendas do evento. Luci lê "Prolegômenos para uma Poética".

Andrea lê "A Santinha de Huautla"


E eu, o "Paubói"

domingo, 28 de outubro de 2007

Penderecki & o feitiço auditivo

O compositor polonês Krzysztof Penderecki

A experiência mais assombrosa (& mais profundamente deleitosa) que já tive com música foi na Sala São Paulo, num recital de vozes que incluía no programa um trecho de The Seven Gates of Jerusalem (Sinfonia número 7), chamado De Profundis.

O coro de vozes foi escrito com tamanha ciência e delicadeza que era possível, por vezes, sentir nos ouvidos como que uma onda sonora fluindo de um lado para o outro do coro, dominando o sentido da audição como uma espécie de feitiço. Ou, quando as vozes graves sustentassem um trecho, despontaria, brilhante, um agudo do outro lado. Coisas desse tipo, que não paravam de surpreender & agradar os ouvidos.

Ridículo, talvez - como todas as pessoas atordoadas por imenso prazer costumam ficar - estava acompanhado dos mais circunspectos amigos Marcus Siqueira e Maurício de Bonis, que são músicos excelentes (Marcus Siqueira, por exemplo, tem um Fricamentum Punctatim que é uma obra simplesmente poderosa & indescritível).

Eles viam a minha surpresa e diziam: "é, é bonito". Mas eu não tenho como mentir: foi uma experiência mística para mim. Quase me saíam lágrimas dos olhos.

É, lembrei disso, & achei que seria justo & oportuno prestar essa discreta homenagem a Penderecki (por quem tenho imensa admiração & imenso respeito), talvez mais famoso por ter algumas de suas composições integrando trilhas sonoras de filmes do impecável Stanley Kubrick, como The Shining (O Iluminado).

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

4 poemas

O Sonho de Constantino, de Piero della Francesca

Durar & Permanecer

É preciso esquecer para lembrar:
o tempo nos acossa com a multitude
que os olhos sem distingüir desfiguram;
do peso da terra de séculos ressurge
o deus faraó envolto em cinzas e pó;
da têmpera em cacos,
a fagulha do anjo no sonho de Constantino.
Tudo surge para derreter e partir,
como um sonho que aperta
resquícios do dia num redemoinho
onde andamos não raro suspensos
entre ignorar e saber.
E isso é história: a sombra retorna,
sussurra seu nome em bocas futuras
e mesmo dirá fuit hic: apenas memória.


A Burocracia dos Nervos

dopamina & serotonina
duas garotas que dão o que falar
grávidas sempre grudadas
na tua cabeça em algum lugar

quem fez o maldito buraco
se nem sangue nem cérebro
saem?
roxo e negro cauterizados
bípede espanto
com um tiro de estupidez
na negra floresta do crânio

cabeça-canhão
& orfanato de idéias
a burocracia dos nervos
proíbe sentir e saber

gêmeas amigas
Sentir & Saber?

homem com furo no crânio
ouriço de estanho
homem-traste
só quer o carimbo “viva”
na testa
e que o vento o arraste.


As pessoas só estão assustadas

As pessoas só estão assustadas
não houve tempo e você sabe
as cenas se desenrolam sem um ensaio
sem sequer um roteiro
as pessoas pegam o que têm à mão
se você olha de longe pode perceber o medo
e o em si mesmo curiosamente animal das pessoas
a dúvida o ódio ou o amor incontidos
ou aquilo que guardam para um choro implacável
que arremessa seus peitos num desfiladeiro de paixões confusas
soluços e lágrimas
as pessoas trapaceiam matam ajudam espontaneamente
olham com ternura desprezam se irritam num instante inexplicável
perseguem e podem ser auto-complacentes
podem apertar a sua mão abraçar como pólipos
desejar muitas coisas em segredo que jamais vão conseguir
o palco é muito grande e muitos se sentem desconfortáveis
contam histórias inventadas tentando enganar o tempo
acreditam em coisas estúpidas com fervor às vezes comovente
às vezes apenas horroroso
& às vezes demonstram uma beleza que fere os sentidos
para você jamais esquecer que o pouco ainda é muito
no cômputo geral de tudo
ou quando você é incapaz de admitir o sentido do pequeno incidente
no desenho invisível de linhas harmoniosas como a música


sinopse.

o que seria da vida humana sem os adjetivos.
rilke tem uma frase sobre algo a ver com tudo isso &
por plutão
yo no quiero acordarme.

inefável cansaço.
tenho 100 anos & quero me esquecer.
estalar os dedos ou franzir o nariz magicamente.
o truque do desaparecimento.

cortinas e alçapão.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

CORREDOR LITERÁRIO

Nesta última terça-feira eu, Mariana Ianelli, Alexandre Barbosa & Rodrigo Petronio fomos convidados pela Academia Internacional de Cinema (AIC) a ler os nossos poemas e discutir o tema do lirisimo no mundo contemporâneo, dentro do Corredor Literário da Paulista, no auditório do Museu de Arte de São Paulo (MASP). A mediação foi da também poeta Flávia Rocha, que leu & comentou.

Para mim, "lírico" é um nome residual que cedemos à poesia com forte acento pessoal e emocional, porque a origem do termo era a do acompanhamento à lira.

Não digo "residual" porque nos falte aquele velho instrumento de coçar cordas, mas porque o princípio da coisa era a musicalidade. Motz el son, entre os provençais, "as palavras e o som", num amálgama indissociável. Os galego-portugueses como Afonso X, o Sábio, são exemplos disso, ou o clérigo aragonês Martim Moya em seu sirventês da "crerezia".

Poderíamos pensar também em Safo de Lesbos, Ovídio (vocês já devem estar cansados de me ler martelar esse nome nunca assaz louvado), as canções das peças de Shakespeare & até mesmo o lírico ímpar & tardio que foi Paul Verlaine (leiam um poema como "Colombine", por exemplo, é impossível não cantar).

Mas é evidente que essa é uma opinião recessiva. Os quatro ótimos colegas com quem tive o prazer de dividir uma noite de belas leituras & boas risadas ouvem através de Canetti, Rilke & de si mesmos uma música do pensamento que nunca cessou de acompanhar uma experiência que chamam lírica.

Ótimo debate. Aqui vão algumas fotos que a bela Andrea Mateus bateu do encontro.

Mariana Ianelli lê um poema, eu mantenho a encadernação aberta & Flávia Rocha observa a operação

Rodrigo Petronio lê inéditos


Flávia & Rodrigo engajados no debate

Mariana, hierática

Alexandre Barbosa lê um de seus belos poemas. Já tem uns cinco livros publicados, o rapaz. Publicamos juntos uma vez: eu o Descort, ele o Azul Escuro (e Fabrício Corsaletti, que formava o trio da Preguiça Editorial, O Sobrevivente).

Alexandre não consegue acreditar no que está ouvindo, Mariana considera com paciência & eu tagarelo

Il Penseroso

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

FAMA IMMORTALIS



Na palestra que dei semana passada na Faculdade Oswaldo Cruz uma aluna perguntou, a certa altura, por que na tradição da língua portuguesa havia triunfado um modo queixoso & murmurante ao invés do modo crítico & do assertivo.

Eu falava sobre a tradição, o "cânone", ou como queiram chamar os vultos, que assim defini na página do Thesaurus deste mês, dentro da revista digital Germina: "todos os escritores importantes estão mortos; todos os mortos são sombras; toda sombra é um vulto; todos os escritores importantes são vultos".

Respondi a ela uma porção de coisas tentativas, porque sua pergunta era mesmo muito boa: o fato de que nós detestamos o "não"; o catolicismo, que implica contrição, sofrimento & amargura para salvar a alma tão pecaminosa; o sebastianismo residual, que lamenta sempre uma condição de devir. Etc.

Tudo isso pode ser encarado como parte da questão.

Mas hoje a resposta mais simples, verdadeira & objetiva que se pode dar é: não lemos as Metamorfoses, de Ovídio. OU, quando lemos, lemos mal. Esse é um dado muito importante, explica a tacanhice de ATÉ HOJE não termos uma tradução completa & minimamente decente, do ponto de vista do verso, para o longo poema.

(O poema tem dois mil anos & uns quebrados, apenas para mantermos alguma idéia de proporção & perspectiva no assunto).

Mais uma contribuição para a solução futura do dilema: ofereço a minha tradução do epílogo do poema, no livro XV, em que Ovídio se volta para o leitor com sua própria voz.

Num lance de modéstia involuntária (porque Ovídio realmente não sofria dessa espécie de hipocrisia), ele vaticinou que seu poema duraria até quando houvesse Roma dominando o mundo. Daí, interpretei o vivam do final, pondo Ovídio em circulação novamente.

Das Metamorfoses

(XV, 871-875): EPÍLOGO

A obra agora se encerra, e nem a ira de Jove
nem ferro nem fogo,
e nem o tempo voraz poderão destruí-la.
Quando quiser venha o dia,
que força não tem a não ser sobre o corpo,
em que se ponha então fim
ao meu cálculo incerto dos anos:
Ainda, o melhor do que sou
perene estará entre as altas estrelas,
e o meu nome, indelével.
A toda parte onde estenda
Roma o poder sobre as terras,
os lábios lerão minhas palavras;
e sob a Fama por séculos,
se vale o presságio de poeta:
Estou vivo.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

OVÍDIO. Metamorfoses: I, 689-712


Pan & Syrinx, por Johann Wilhelm Baur

SYRINX, A FLAUTA DE PAN


Então disse Mercúrio: “sob o gélido monte da Arcádia
houve entre as náiades Nônacres
a mais famosa hamadríade: as ninfas chamavam-na Syrinx.
Perseguida, dos satyros sempre escapou,
e dos deuses que habitam florestas umbrosas e campos
fecundos, virgem e sagrada à deusa da Ortígia,
a quem cultuava; e cingida nos ritos, como Diana,
faria pensar ser a própria Latônia, não fosse
o seu arco de cornos, o da deusa de ouro;
e assim mesmo enganava.
Foi flagrada voltando do monte Lyceu
por Pan, coroado de folhas agudas de pinho,
que lhe disse o seguinte”—ficou por dizê-lo,
e também, desprezando suas súplicas,
como a ninfa fugiu num caminho inviável,
até que chegou ao Ladôn arenoso de plácidas
margens, pois aqui seu correr impediram-no as ondas;
às licorosas irmãs implorou que a mudassem,
e Pan, que pensava ter presa já Syrinx,
prendeu, ao invés de seu corpo, um maço palustre de cálamos,
e, quando suspira, movendo nas canas o vento,
efetua um som tênue
semelhante a um lamento.
A nova arte e o dulçor dessa voz cativaram o deus:
“Esta conversa contigo”, ele disse, “eu terei,”
e compagina com cera os cálamos díspares,
que, unidos assim, tomaram o nome da ninfa.

DOIS EPIGRAMAS NOVOS

Minha caríssima amiga Maiara me pede inéditos. Aí vão eles, dois epigramas:

Pontos-de-fuga do século XX

Era Yeltsin
Em 1995, parecendo uma caricatura
De Russo frente às câmeras do Western
Americano, que pensava: “É nisso
Que dá o Comunismo”.

O que Hobsbawn chamou
“Capitalismo de Estado”: onde
Deus & Mammon dão lugar
Aos Canalhas do Partido: tudo
Em maiúsculas, ou uniforme militar.


Deus como crítico literário

A Deus Gonçalves Dias
disse, num poema bem ruim,
mas imortal:

“Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá”.

Não só Deus o permitiu,
mas toca o barco a naufragar.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Poetas da Modernidade: Um Panorama Internacional


Eu & a impecável Ana Rüsche vamos falar sobre a poesia moderna na galeria barco virgilio, em alguns encontros detalhados abaixo, para gáudio da leitora e do leitor deste blog.

Poetas da Modernidade: Um Panorama Internacional
com ana rüsche & dirceu villa
espaço b_arco virgilio, oficinas de cultura
rua dr. virgilio de carvalho pinto, n° 422, pinheiros, (11) 3081.6986

[INSCRIÇÕES AQUI]

Dias/Horário: Sábados, de 1° a 29 de setembro (5 encontros), das 11hs às 15hs. Cada encontro terá a duração 4 (quatro) horas com um intervalo de 30 (trinta) minutos . Custo: R$ 180,00.

Objetivos: Apresentar de forma agradável e próxima os principais poetas que produziram durante o século XIX e XX. Além do apanhado crítico e teórico que pressupõe o curso, os textos serão passados em forma de leitura, com detalhes bibliográficos, para que a apreensão do conteúdo seja interessante e atrativa a todos.

Programa proposto (sujeito a alterações)

1° Encontro – Poetas de Língua Inglesa
- T. S. Eliot
- Ezra Pound
- Emily Dickinson
Comentários sobre: William Blake, e.e. cummings, William Butler Yeats e Gertrude Stein

2° Encontro – Poetas de Língua Francesa
- Arthur Rimbaud
- Stéphane Mallarmé
- Charles Baudelaire
Comentários sobre: Paul Éluard & André Breton, Guillaume Apollinaire, Jean Cocteau, Jules Laforgue e Tristan Corbière

3° Encontro – Poetas de Língua Alemã
- Rainer Maria Rilke
- Bertold Brecht
- Paul Celan
Comentários sobre: Friedrich Hölderlin, Georg Trakl, Else Lasker-Schüler e Kurt Schwitters

4° Encontro – Poetas de Línguas Italiana e Ibéricas
- Filippo Tommaso Marinetti
- Octavio Paz
- Fernando Pessoa
Comentários sobre: Giuseppe Ungaretti, Joan Brossa e Pablo Neruda

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

O BANQUETE!

James Ensor, O Banquete (1915)


A velha tradição convival em que entram as calorosas discussões de todo tipo de assunto, pessoas curiosas & com palpites & idéias que precisam ver circular sempre se renova.

É nesse espírito que volta O Banquete nesta sexta-feira, série de leituras de poemas organizada por mim & por Fabiano Calixto na Biblioteca Alceu Amoroso Lima.

Ligeiramente modificada, agora ela inclui um espaço justamente para a discussão de questões literárias pressurosas & periclitantes.

Estão todos convidados. A entrada é franca.

O BANQUETE

leitura e debate

A multiplicidade de opções estéticas na poesia contemporânea
aponta caminhos de independência e liberdade,
ou apenas aponta para uma disfunção e falta de rigor?


ANA RÜSCHE

RENAN NUERNBERGER

ALFREDO FRESSIA

DIA 3 DE AGOSTO SEXTA-FEIRA 19h

Biblioteca Alceu Amoroso Lima Rua Henrique Schaumann, 777
Esquina com a rua Cardeal Arcoverde
Pinheiros - 05413-021 São Paulo, SP
Tel.: 11 3082-5023
bmalceualima@yahoo.com.br

terça-feira, 17 de julho de 2007

Sempre rir, sempre rir, sempre rir



Antonio Veneziano (1543-1593), poeta italiano, nasceu em Monreale e estudou em colégios em Palermo e Roma. Conheceu Miguel de Cervantes (1547-1616) numa situação peculiar & deprimente: os dois haviam sido feitos prisioneiros, pelos árabes, na Argélia: Cervantes numa batalha, Veneziano numa viagem marítima. Ao que parece, dividiram uma cela no cárcere.

Teve uma vida desordenada, foi preso uma porção de vezes (morreu na prisão, em Palermo) & escreveu poemas muito interessantes no dialeto siciliano. O que traduzo abaixo, com o original no topo para a curiosidade infinita da leitora & do leitor, é a parte II de uma série de oitavas amorosas, chamada La Celia.

La Celia, II

Naxxi in Sardigna un’erba, anzi un venenu,
chi, cui ‘ndi gusta, di li risa mori;
né antitodi ci ponnu di Galenu,
né Esculapiu incantati palori.
Cuss’iu, senza rimediu terrenu,
unu su’ dintra e n’autru paru fori;
su’ tuttu mestu e mustrumi serenu:
la vucca ridi e chiangimi lu cori.

La Celia, II

Há na Sardenha uma erva, ou veneno:
quem prova, morre de rir sem demora;
nem antídoto atesta Galeno,
nem Esculápio oração redentora.
Assim eu, sem um remédio terreno,
por dentro sou um & outro por fora;
sou todo manso e me mostro sereno:
a boca ri, mas o peito, ele chora.

Veneziano está referindo um texto do geógrafo grego Pausânias (c. 115-180 a.C.) que conta “A História Mítica da Sardenha”, e de onde viria o nome da ilha italiana. Ele escreve sobre essa erva: “Exceto por uma planta, a ilha é livre de venenos. Essa erva mortal é como o aipo, e diz-se que quem quer que a coma, morre rindo. De onde Homero, e todos depois dele, chamam “sardônica” à risada doentia. A erva cresce principalmente junto a fontes, mas não transfere nada de seu veneno à água”.

No verso do belo mapa de 1570 que apresenta as ilhas mediterrâneas (este que ilustra o topo da nossa conversa), o notável cartógrafo nascido na Antuérpia, Abraham Ortelius (1527-1598), subscreve a lenda: “Sardenha: essa ilha era bem conhecida por causa de uma maravilhosa erva chamada Sardonica, que mata as pessoas enquanto permanecem rindo”.

É curiosa a associação das idéias na mente humana, e isso tudo me lembrou do óxido nitroso, ou gás do riso, que Cesar Romero, vestido de Coringa, lançava em suas vítimas no seriado do Batman nos anos 60. O Coringa mais tarde teria idéias mais sinistras, puro humor negro, e o desfecho disso seria o efeito mortal da Sardonica em The Dark Knight, de Frank Miller. Ou neste desenho de Brian Bolland, que desenhou também a memorável graphic novel escrita por Alan Moore, The Killing Joke.


Alforja 40




Acaba de sair no México o número 40 da revista de poesia Alforja, dedicada a, como vocês vêem, Ferreira Gullar, com textos deste Dirceu Villa que vos escreve e do grande poeta e ensaísta uruguaio Alfredo Fressia, entre outros.

sábado, 7 de julho de 2007

Dois poemas inéditos de Ezra Pound

Ezra Pound em foto de Emil Otto Hoppé, c.1914-1915



Em 2004 eu terminei a primeira tradução completa (em versos para o português) e anotada do livro de poemas Lustra, de Ezra Pound, publicado originalmente em Londres, em 1916.

Lustra é o livro em que a poesia de Pound adquiriu os traços marcantes que apareceriam em sua obra daí em diante, como no monumental The Cantos, cuja estrutura já começava a surgir em poemas como "Provincia Deserta" ou "Near Perigord", de Lustra. Na edição nova-iorquina de 1917, da Alfred Knopf, constam, por exemplo, os três primeiros Cantos, mais tarde descartados ou reformados dentro do que chamava "a poem of some length".

Publiquei, da minha tradução completa, apenas três poemas na revista Ácaro, n. 3, de 2005: "TS’AI CHI’H", do núcleo das personae chinesas, anteriores a Cathay; "OS TRÊS POETAS", dos epigramas que estão por toda parte no livro; e "CANÇÃO ANTIGA", paródia de um antigo cânone inglês, chamada "intraduzível" por Mário Faustino.

Depois desse longo jejum (2 anos), e para lembrarmos mais um pouco da poesia de Pound, o Demônio Amarelo acolhe mais dois poemas, inéditos no Brasil, desse livro importante, charmoso & maligno: um deles é a apropriação e tradução de um poema de Charles D'Orléans, em que Pound quer flagrar o imagismo latente no poeta francês antigo


IMAGEM DE D’ORLEANS

Jovens nas ruas a cavalgar
No brilho da nova estação
Esporeiam sem razão,
Fazendo as montarias saltar.

E no passo em que vão
As patas ferradas a trotar
Riscam faíscas nas pedras do chão
No brilho da nova estação.


e o outro, um daqueles poemas curtos que tomavam parte da concepção do epigrama e dos poemas gnômicos gregos & adicionavam cenas modernas, em que a apresentação era tudo

SIMULACRA

Por que a dama de rosto eqüino e idade impronunciável
Desce Longacre recitando Swinburne a si mesma, surdamente?
Por que a criancinha no falso casaco de pele com manchas brancas
Engatinha na sarjeta muito preta sob a barraca de uvas?
Por que a jovem bela pra valer se aproxima de mim em
Sackville Street
Sem se deter pela idade manifesta dos meus trapos?

Depoimentos Espontâneos

Confira, ao lado, a barra com os 4 mini-documentários de escritores, poetas, livreiros, dramaturgos, jornalistas, filósofos (enfim, esses colecionadores de palavras e idéias) falando sobre os três anos da FLAP!, direto do YouTube.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Il Teatro alla Moda


Benedetto Marcello, músico, autor de um dos mais belos concertos já escritos para oboé, escreveu um texto espirituoso sobre música, chamado Il Teatro alla Moda (1720), de onde pesco este trecho sarcástico. Estará falando do libretista, mas vale para os poetas:

In primo luogo non dovrà il Poeta moderno aver letti, né leggere mai gli Autori antichi Latini o Greci. Imperciocché nemmeno gli antichi Greci o Latini hanno mai letto i moderni.

“Em primeiro lugar não deverá o Poeta moderno ter lido, nem ler jamais os Autores antigos Latinos ou Gregos. Mesmo porque sequer os antigos Gregos ou Latinos chegaram a ler os modernos.”

segunda-feira, 25 de junho de 2007

deus ex musica

Glenn Gould se apressa loucamente
como se Bach pisasse em brasa
ou o Kammerchor nos motetos sublimes

Gott, nimm dich ferner unser an
— é só o que peço

*

Glenn Gould o dia todo revirando Bach
na minha pobre cabeça
revirada de nomes datas & textos literários

(de medianos a ruins)

:

os chamados ossos do ofício
às vezes duros de roer.

Perspectiva

Yo mismo, em foto de Fabiana Faleiros

E houve o Banquete na Biblioteca Alceu Amoroso Lima, com público ainda reduzido, mas atento; com as poltronas azuis de tecido; nossos caros simpáticos mordazes poetas empoleirados como eu aí em cima no microfone, & como o som se expande! É o que suponho a foto da minha chérie Fabienne queira dizer com o ângulo que dá espetáculo de Basílica ao concreto das paredes & do teto, & rima visualmente com o paletó de concreto: não o mundo inóspito do som, mas o som puro, som mineral, som de brilho & peso. Fabiano Calixto & eu descansamos, por enquanto. O Banquete volta novo em agosto, na Biblioteca Alceu Amoroso Lima. Muitos poetas bons já leram no evento, muitos poetas bons ainda lerão no evento.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

FLAP 2007: CONTAMINAÇÕES



São Paulo:29 de junho.
Casa das Rosas (Av. Paulista, n° 37)

30 de junho e 1º de julho.
Espaço dos Satyros I (Pça. Roosevelt, nº 214)

Rio de Janeiro:4 e 5 de agosto de 2007
(programação em breve)

Realização
Projeto Identidade

Apoio
O Casulo, Casa das Rosas, Os Satyros & Sebo do Bac

PROGRAMAÇÃO
sujeita a modificações

Sexta-feira, 29 de junho
Aberto para Balanço: Leitura de Poesia Contemporânea

Casa das Rosas (Av. Paulista, nº 37)
Cada poeta lerá poemas de sua autoria e homenageará outros poetas.

19h: Apresentação: Frederico Barbosa
Abertura: Eduardo Lacerda e Thiago Ponce (ambos do Projeto Identidade)

Alfredo Fressia (Contador Borges e Fábio Aristimunho Vargas)
Antônio Vicente Pietroforte (Del Candeias e Delmo Montenegro)
Lilian Aquino (Andréa Catropa e Heitor Ferraz)
Cláudio Daniel (Eduardo Jorge e Adriana Zapparoli)
Maiara Gouveia (Cláudia Roquette-Pinto e Rodrigo Petrônio)
Fabiano Calixto (Benjamin Prado)
Horácio Costa (César Vallejo e Xavier Villaurrutia)
Paulo Ferraz (Donizete Galvão e Fábio Weintraub)
21h - Intervalo

Cláudio Willer (lê amigos)
Mavot, Cooperifa (Eduardo Lacerda e Sérgio Vaz)
Bruna Beber (Ana Guadalupe e Alice Sant'Anna)
Pedro Tostes (Maloqueiristas: Berimba de Jesus e Caco Pontes )
Dirceu Villa (Ana Rüsche e Ricardo Domeneck)
Ronald Polito (Carlos de Oliveira e Júlio Castañon Guimarães)
Ruy Proença (Antônio Moura, Eucanaã Ferraz e Rubens Rodrigues Torres Filho)
Sérgio Mello (Augusto Silva e Luana Vignon)

Sábado, dia 30 de junho
Espaço dos Satyros I, Pça. Roosevelt, nº 214

[1] 10h às 11:30h - Abre-alas: Contaminações
Mediação: Andréa Catropa, poeta
- Antonio Vicente Pietroforte, escritor e Prof. Dr. Depto. Lingüística, FFLCH-USP
- Glauco Mattoso, poeta
- Anselmo Luis, o Bactéria
- Marcelino Freire, escritor

[2] 13h às 14:30h - Turma do Fundão: A Literatura na Sala de Aula
Mediação: Ivan Antunes, poeta
- Maria Elisa Cevasco, Profa. Dr. Depto. Letras Modernas, FFLCH-USP
- Rodrigo Ciríaco, escritor e educador
- Eduardo Araújo Teixeira, professor de literatura e meios audiovisuais
- Adilson Miguel, editor de literatura juvenil
- Eduardo Lacerda, editor de O Casulo - Jornal de Poesia Contemporânea

[3] 14:30h às 17h - E quem vive disso?
Mediação: Ana Paula Ferraz, jornalista e escritora
- Marcelo Siqueira Ridenti, Prof. Titular de Ciência Política, UNICAMP
- Santiago Nazarian, escritor
- Maria Luíza Mendes Furia, poeta
- Andrea Del Fuego, escritora- Juliano Pessanha, escritor

Domingo, dia 1º de julho
Espaço dos Satyros I, Pça. Roosevelt, nº 214

[4] 12h às 13:30h - O Além Livro
Mediação: Del Candeias, poeta
- Alberto Guzik, crítico, escritor e dramaturgo
- Lourenço Mutarelli, escritor e cartunista
- Mario Bortolotto, escritor e dramaturgo
- Eduardo Rodrigues, escritor e roterista de quadrinhos

[5] 14:30h às 16h - Influenza: Soy loco por ti America
Mediação: Fabio Aristimunho Vargas
- Vanderley Mendonça, editora Amauta
- Horacio Costa, poeta e Prof. Dr. Depto. Letras Clássicas
- Maria Alzira Brum, tradutora e escritora
- Alfredo Fressia, poeta e tradutor
- Joca Terron, escritor
16h - Encerramento

Leitura de Marcelo Mirisola
Divulgação do vencedor do Concurso Sigla FLAP! 2007

Inscrições: Para participar da FLAP! não é preciso realizar inscrições prévias, respeitaremos a ordem de chegada do público.
Certificados: quem precisar de certificados deverá preencher ficha de cadastro na abertura dos debates (sábado, 10h). Os certificados serão entregues no encerramento do evento (domingo, 16h). Dúvidas? Escreva para flap@projetoidentidade.org.

CONCURSO DA SIGLA FLAP!: O que significa "F.L.A.P.?". Deixe sua sugestão com os organizadores durante o evento! No domingo, a melhor sigla será premiada!

terça-feira, 12 de junho de 2007

Dica da noite


capa: aquarela de Derek Walcott


A edição dos Collected Poems (1948-1984) de Derek Walcott. Quando Lorca disse que a poesia tinha que ter duende, poderia muito bem estar pensando numa coisa dessas, por exemplo.

Se tiver que escolher uma parte, minha sugestão é a de que vá direto aos poemas extraordinários de The Fortunate Traveller, de 1981. Walcott é realmente um daqueles raros casos em que o Nobel acerta.

É um livro para andar junto com você, e um bom modo de começar a ler o autor de The Arkansas Testament e Omeros. Um item necessário.

Mais um Banquete

Caríssimos, mais uma edição do Banquete, e a leitura desta vez será na Biblioteca Alceu Amoroso Lima. Todos convidados, entrada gratuita & bons poetas (naturalmente).

Leitura de poesia contemporânea

DIRCEU VILLA
DONIZETE GALVÃO
FABIANA FALEIROS
FABIANO CALIXTO
FLÁVIA ROCHA
HELIO NERI
LILIAN AQUINO
PAULO FERRAZ
RODRIGO PETRONIO

14 de junho de 2007
19h00
BIBLIOTECA ALCEU AMOROSO LIMA
RUA HENRIQUE SCHAUMANN, 777
PINHEIROS – SÃO PAULO
TEL: 3082-5023

domingo, 10 de junho de 2007

O Discurso de Pitágoras


Ceres, Museu de Corinto, Atenas

Traduzi um trecho do livro XV das Metamorfoses, de Ovídio. Faz parte daquele loooongo & insensato projeto pessoal que inventei, o de traduzir o poema inteiro para o português, em verso, e que publicarei completo quando tiver uns 75 anos.

Na Officina Perniciosa, da revista virtual Germina Literatura (leitora & leitor curiosos, dêem uma espiada no link à direita em "Let us go and make our visit" e consultem o arquivo da Officina) se encontram "Baco e os Piratas Tirrenos", "A Morte de Actaeon" e o "Narciso". Junta-se a eles agora o "Discurso de Pitágoras", que eu dedico ao Johannes Pandit:

(Ovídio, Metamorphoseon Libri, XV, vv. 75-95)

“Poupai-vos, mortais, de poluir com alimento nefando
os corpos que tendes: há frutas, pomas que o peso
inclina em seus ramos, túmidas uvas nas vinhas,
há ervas suaves, que ficam ainda melhores
levadas ao fogo; vos falta sequer o leite ou o mel,
perfumado da flor do tomilho:
pródiga, a terra fornece riquezas, delícias
e prepara banquetes sem sangue nem vítimas.
As feras saciam a fome com carne; nem todas, também:
é fato que bois e cavalos só vivem de grama;
mas àqueles de engenho bem bruto e selvagem,
tigres armênios, leões iracundos,
lobos e ursos também, agrada alimento sangrento.
Ah, crime tremendo esconder as tripas nas tripas,
e com corpo ingerido engordar outro ávido corpo,
e que esse animal mate um outro animal pra viver.
Acaso da opulência que a opima mãe Terra te oferta,
nada te agrada, senão mastigar com a crueldade dos dentes —
em que recordas Cyclope de modos horrendos—,
ou, sem predar outro, não vais aplacar
o mal-educado apetite em teu ventre voraz?”

quarta-feira, 6 de junho de 2007

As canções perfeitas de Cat Power


Chan Marshall (a.k.a. Cat Power) em foto de Steven Gullick

Cat Power vicia. Estou muito evidentemente viciado, aliás, e isso já dura uns bons anos. Desde que ouvi Moonpix e What Would the Community Think, pelo menos.

Ela compõe coisas impecáveis de extrema simplicidade, interpreta outras que você achava que eram definitivas ("Wild is the Wind", ou "Satisfaction") substituindo-as no seu prazer auditivo.

Sua voz encantadora entra numa canção com a mesma familiaridade com que a maior parte das pessoas abre a porta de casa.

Não tenho como falar da música dela de um jeito coerente, bem proporcionado, etc. Eu até gostaria.

The Greatest é um disco tão perfeito como coleção de canções perfeitas que é possível ouvir por dias, semanas, meses a fio sem perder aquela preciosa sensação de estar ouvindo algo belíssimo pela primeira vez.

Daí que canções como "The Greatest" ou "The Moon" têm algum feitiço nelas. Eu sei que têm.

quinta-feira, 31 de maio de 2007

The dead art of poetry (?)

A leitura de ontem (essa que aparece cuidadosamente anunciada abaixo) foi excelente. Sobretudo porque as pessoas que encheram a sala da Casa das Rosas enfrentaram um frio europeu, com o refinamento de um gélido chuvisco - além do trânsito vindo do canto V do Inferno -, e estavam lá para ouvir nove poetas jovens lendo seus poemas.

Isso é razoavelmente raro. Tenho um enorme respeito por isso.

Foi uma daquelas noites importantes que, salvo pela internet, ninguém saberia que existiu, já que a imprensa prefere noticiar 1 crítico literário espalhando sua gosma pelo mundo mental literário do que 9 poetas apresentando suas obras ao vivo. Go figure.

Não obstante, eu & meu caríssimo Fabiano Calixto prosseguimos com a idéia très sympatique de oferecer leituras coletivas, já que faríamos isso de qqer jeito e já que a audiência não a achou nada má: dia 14 de junho haverá outra na Biblioteca Alceu Amoroso Lima.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

O Banquete

Você estava procurando aquele programa imperdível para a noite desta quarta. Não procure mais:


O BANQUETE
leitura de poesia brasileira contemporânea

ANA RÜSCHE
ANDRÉA CATRÓPA
ANNITA COSTA MALUFE
DANILO BUENO
DIRCEU VILLA
EDUARDO STERZI
FABIO WEINTRAUB
FABIANO CALIXTO
FABRÍCIO CORSALETTI
VERONICA STIGGER

30 de maio de 2007, 19 h
CASA DAS ROSAS
AVENIDA PAULISTA, 37
PARAÍSO – SÃO PAULO
TEL: 3285-6986

quinta-feira, 17 de maio de 2007

O Massacre do Serra


A página da UOL de anteontem estava muito interessante, pelo seguinte: de tempos em tempos, via-se a cara do governador José Serra fazendo mira com uma arma direto para a câmera do fotógrafo.

Sei que qualquer comentário é dispensável tendo a imagem, mas eu sou apenas um alinhavador de palavras, nota bene.

Havia um prazer mórbido no rosto dele, um desejo de matar bem mais sutil que o do Charles Bronson, que era capaz de utilizar uma bazuca dentro de um apartamento.

Não, o governador Serra apontava para a USP, a Universidade de São Paulo, e as seguintes palavras se desenhavam no recorte assustador de sua boca: "Hehehehehe, morram, morram, morram".

Serra parece que vai ser a versão política de um massacre universitário.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Preciza-se de cozinheiro com prática

Que ele, de qualquer forma, faça aqueles ovos estalados,
sunny-side up, como os dois olhos de Hélios boiando no óleo,
nas ruas do centro velho fedendo a urina.
Não são portas de castelo aquelas paredes
com rochas enormes, espessas, onde num cubículo
estão os caras trabalhando em algo gorduroso;
ou um grupo de senhoras magras e suadas
com o cabelo preso e óculos, cigarro na boca,
costurando sentadas em filas nas máquinas Singer.
É duro fazer aquilo, quer dizer,
elas parecem absortas num contorno preciso.
E a nuvem cinzenta que paira
como em mesas ensebadas de baralho,
é claro, não ajuda.
Que o cozinheiro saiba torturar lingüiças na chapa
como os diabinhos fazem com as almas perdidas
em qualquer Juízo Final de painéis medievais.
Sabe sim. Com olhos sorrindo no rosto pespegado
de gotículas de suor, ele vira e diz:
Tá um inferno aqui, chefia.

terça-feira, 8 de maio de 2007

O dia em que o cardeal Ratzinger acordou com dois chifres na cabeça


Para os fiéis cristãos, o Diabo é uma presença misteriosa mas real, pessoal e não simbólica.
Cardeal Ratzinger, para Der Spiegel, 22 de dezembro de 1986


Ainda na cama, Joseph começava a sentir um incômodo muito grande na fronte e levou, portanto, a mão à testa, lenta e delicadamente, como fazemos na suposição desagradável de que uma dor de cabeça nos acompanhará o dia todo. O primeiro toque fez com que arregalasse os olhos ainda fechados; passava a ponta dos dedos pelas formações, ao que parecia, ósseas, que se projetavam dali. Incrédulo, afastou o lençol e as cobertas e se ergueu de um jato, esquecendo mesmo de calçar as belas chinelas vermelhas, indo incontinenti em direção ao banheiro.

Acendeu a luz e, diante do espelho, percebeu horrorizado dois chifres recurvos como os de um bode montanhês saindo dos dois lados frontais de seu crânio, lá onde a linha do couro cabeludo principia. Un-unmöglich, escapou balbuciante de seus lábios trêmulos. Afastou o rosto do espelho e, esfregando as mãos, com os olhos postos no chão, caminhava quase em círculos pelo banheiro, sentindo um calor infernal e suando. Reunindo suas forças morais, olhou-se novamente e o reflexo persistia em mostrar o que já desconfiava que estava ali. Eram grandes, era mesmo difícil se mover sem esbarrar em algo, sobretudo com toda aquela perplexidade.

Foi quando pensou que, talvez, (e isso é muito provável) estivesse se aproximando a morte, e essa era uma das imagens fantásticas geradas pelo cérebro no declínio de suas funções, ou pelas forças contrastantes em conflito por sua preciosa alma: pericula inferni inuenerunt me, lembrava. Ocorreu-lhe orar, sabia que era possível que estivesse sendo tentado, ou que o demônio quisesse confundi-lo, como aconteceu também ao Cristo, “adora-me e tudo isto será teu”. Era uma prova de fé, e cabia-lhe resistir a ela com a dignidade de quem um dia poderá vir a ser o Pontífice.

Tão rápido como cruzou sua mente, o pensamento fez com que abrisse os olhos, que estavam fechados pelo fervor da prece: Pontífice. Isso já lhe havia ocorrido, homo sum, mas porque sabia poder servir humildemente na vinha do Senhor caso, na sucessão, seu nome se firmasse entre os colegas, que certamente terão observado seu constante trabalho e empenho, a seriedade e o rigor com que mantinha os estatutos da fé, apesar das pressões mundanas do século. Wojtila até que é um bom homem, mas falta-lhe claramente o decoro da posição, e várias vezes cede ao apelo da popularidade.

Assombrou-se um pouco com a seqüência repentina que seu raciocínio desenvolveu, conquanto não estivesse mentindo, e disso estava certo. Mas que estranho impulso era esse, agora? Quem era responsável por tal mobile? Sempre tivera certa dificuldade em separar seu justo fervor do que poderia ser chamado, com alguma má-vontade, ambição. Mas pode-se chamar ambição ao reconhecimento, em si mesmo, de se ter sido talhado para determinada missão, para servir? O báculo distingüe aquele que leva o rebanho, e isso de fato aponta uma posição de poder, mas seria um poder de mando, do amealhar, ou um poder de desvelo? Certamente o último, e quanto a esse aspecto não há dúvida.

Esquecera dos chifres. Os chifres não haviam desaparecido. Sentou-se na privada, desolado. A memória trouxe de volta as recordações de uma vida repleta de tribulações, que, no entanto, não tinha sido buscada: a contemplação, a solidão e o estudo compunham um caráter sólido e discreto, como sempre soubera, mas a Segunda Guerra havia embaralhado todas as cartas das vidas que se podiam escolher. Lembra da deserção do exército alemão como um garoto que lembra do único troféu que o livraria da vergonha de nunca ter vencido nada. Ele vencera, e isso era a prova de que erros poderiam ser corrigidos pela fibra moral. Os anos de estudo, a disciplina e a límpida e casta beleza da única fé verdadeira: sentiu uma comoção breve agitar-lhe o peito e a garganta, lágrimas ensaiaram seu desfile, mas pararam nas bordas dos olhos. A comoção lhe renovou a idéia do merecimento, e de que ele poderia, historicamente, reconduzir a Igreja, desta presente Babilônia, para Sião. Eis uma verdadeira Guerra Santa, pois qui fugit molam, fugit farinam.

Levantou-se, confiante como sempre, e deu com a imagem no espelho, onde sequer percebia os chifres que lhe pesavam na testa. Mas, curiosamente, aquela figura a um só tempo era e não era a sua imagem: seria a mudança da renovada certeza do teste por que passou o que lhe dá este ar dos profetas que anunciaram a verdade do Cristo? Notou, espantado, que o rosto no espelho parecia mover-se sem que ele se movesse, numa autonomia sobrenatural e com os olhos fixos em seu rosto. Diria algo, os lábios se moviam repetindo, com ligeiro sorriso, alguma frase? Aproximou-se como para ouvir a voz do vidro, e a voz do vidro lhe repetia, pausada e claramente: Ego sum papa, ego sum papa.