terça-feira, 17 de julho de 2007

Sempre rir, sempre rir, sempre rir



Antonio Veneziano (1543-1593), poeta italiano, nasceu em Monreale e estudou em colégios em Palermo e Roma. Conheceu Miguel de Cervantes (1547-1616) numa situação peculiar & deprimente: os dois haviam sido feitos prisioneiros, pelos árabes, na Argélia: Cervantes numa batalha, Veneziano numa viagem marítima. Ao que parece, dividiram uma cela no cárcere.

Teve uma vida desordenada, foi preso uma porção de vezes (morreu na prisão, em Palermo) & escreveu poemas muito interessantes no dialeto siciliano. O que traduzo abaixo, com o original no topo para a curiosidade infinita da leitora & do leitor, é a parte II de uma série de oitavas amorosas, chamada La Celia.

La Celia, II

Naxxi in Sardigna un’erba, anzi un venenu,
chi, cui ‘ndi gusta, di li risa mori;
né antitodi ci ponnu di Galenu,
né Esculapiu incantati palori.
Cuss’iu, senza rimediu terrenu,
unu su’ dintra e n’autru paru fori;
su’ tuttu mestu e mustrumi serenu:
la vucca ridi e chiangimi lu cori.

La Celia, II

Há na Sardenha uma erva, ou veneno:
quem prova, morre de rir sem demora;
nem antídoto atesta Galeno,
nem Esculápio oração redentora.
Assim eu, sem um remédio terreno,
por dentro sou um & outro por fora;
sou todo manso e me mostro sereno:
a boca ri, mas o peito, ele chora.

Veneziano está referindo um texto do geógrafo grego Pausânias (c. 115-180 a.C.) que conta “A História Mítica da Sardenha”, e de onde viria o nome da ilha italiana. Ele escreve sobre essa erva: “Exceto por uma planta, a ilha é livre de venenos. Essa erva mortal é como o aipo, e diz-se que quem quer que a coma, morre rindo. De onde Homero, e todos depois dele, chamam “sardônica” à risada doentia. A erva cresce principalmente junto a fontes, mas não transfere nada de seu veneno à água”.

No verso do belo mapa de 1570 que apresenta as ilhas mediterrâneas (este que ilustra o topo da nossa conversa), o notável cartógrafo nascido na Antuérpia, Abraham Ortelius (1527-1598), subscreve a lenda: “Sardenha: essa ilha era bem conhecida por causa de uma maravilhosa erva chamada Sardonica, que mata as pessoas enquanto permanecem rindo”.

É curiosa a associação das idéias na mente humana, e isso tudo me lembrou do óxido nitroso, ou gás do riso, que Cesar Romero, vestido de Coringa, lançava em suas vítimas no seriado do Batman nos anos 60. O Coringa mais tarde teria idéias mais sinistras, puro humor negro, e o desfecho disso seria o efeito mortal da Sardonica em The Dark Knight, de Frank Miller. Ou neste desenho de Brian Bolland, que desenhou também a memorável graphic novel escrita por Alan Moore, The Killing Joke.


Alforja 40




Acaba de sair no México o número 40 da revista de poesia Alforja, dedicada a, como vocês vêem, Ferreira Gullar, com textos deste Dirceu Villa que vos escreve e do grande poeta e ensaísta uruguaio Alfredo Fressia, entre outros.

sábado, 7 de julho de 2007

Dois poemas inéditos de Ezra Pound

Ezra Pound em foto de Emil Otto Hoppé, c.1914-1915



Em 2004 eu terminei a primeira tradução completa (em versos para o português) e anotada do livro de poemas Lustra, de Ezra Pound, publicado originalmente em Londres, em 1916.

Lustra é o livro em que a poesia de Pound adquiriu os traços marcantes que apareceriam em sua obra daí em diante, como no monumental The Cantos, cuja estrutura já começava a surgir em poemas como "Provincia Deserta" ou "Near Perigord", de Lustra. Na edição nova-iorquina de 1917, da Alfred Knopf, constam, por exemplo, os três primeiros Cantos, mais tarde descartados ou reformados dentro do que chamava "a poem of some length".

Publiquei, da minha tradução completa, apenas três poemas na revista Ácaro, n. 3, de 2005: "TS’AI CHI’H", do núcleo das personae chinesas, anteriores a Cathay; "OS TRÊS POETAS", dos epigramas que estão por toda parte no livro; e "CANÇÃO ANTIGA", paródia de um antigo cânone inglês, chamada "intraduzível" por Mário Faustino.

Depois desse longo jejum (2 anos), e para lembrarmos mais um pouco da poesia de Pound, o Demônio Amarelo acolhe mais dois poemas, inéditos no Brasil, desse livro importante, charmoso & maligno: um deles é a apropriação e tradução de um poema de Charles D'Orléans, em que Pound quer flagrar o imagismo latente no poeta francês antigo


IMAGEM DE D’ORLEANS

Jovens nas ruas a cavalgar
No brilho da nova estação
Esporeiam sem razão,
Fazendo as montarias saltar.

E no passo em que vão
As patas ferradas a trotar
Riscam faíscas nas pedras do chão
No brilho da nova estação.


e o outro, um daqueles poemas curtos que tomavam parte da concepção do epigrama e dos poemas gnômicos gregos & adicionavam cenas modernas, em que a apresentação era tudo

SIMULACRA

Por que a dama de rosto eqüino e idade impronunciável
Desce Longacre recitando Swinburne a si mesma, surdamente?
Por que a criancinha no falso casaco de pele com manchas brancas
Engatinha na sarjeta muito preta sob a barraca de uvas?
Por que a jovem bela pra valer se aproxima de mim em
Sackville Street
Sem se deter pela idade manifesta dos meus trapos?

Depoimentos Espontâneos

Confira, ao lado, a barra com os 4 mini-documentários de escritores, poetas, livreiros, dramaturgos, jornalistas, filósofos (enfim, esses colecionadores de palavras e idéias) falando sobre os três anos da FLAP!, direto do YouTube.