terça-feira, 14 de abril de 2009

Dois ótimos textos sobre poesia & três conhecidos macacos


Há dois textos & dois autores discutindo questões importantes sobre poesia brasileira (com entradas para uma discussão mais ampla, incluindo referências de outras partes).

Luis Dohlnikoff publicou no site Cronópios uma réplica a texto de Marcos Siscar, que por sua vez treplicou & foi recentemente publicado no blog da revista Modo de Usar & Co. Para vossa comodidade, aqui, o Dohlnikoff:

http://www.cronopios.com.br/site/ensaios.asp?id=1236

e aqui, o Siscar:

http://revistamododeusar.blogspot.com/2009/04/poetas-beira-de-uma-crise-de-versos-por.html

São dois textos ótimos, embora discordem acirradamente. Recomendo a leitura dos dois.

Dohlnikoff está evidentemente certo quando afirma que forma & conteúdo em oposição é uma questão absurda. Poesia é sempre as duas coisas. Arte é sempre as duas coisas. Ele está coberto de razão da cabeça aos pés.

Está certo de novo quando diz que os poemas concretos puseram em questão o verso, & nisso concordam Dohlnikoff & Siscar. E Dohlnikoff assinala com razão que muitos dos poetas rotulados de “concretos” ou “visuais” escreveram verso.

Ainda que seja aquela desgraça forçada de terza rima de A Máquina do Mundo Repensada (o que, no entanto, seria injusto que eu mencionasse sem dizer da experiência única de verso que são as Galáxias, por exemplo, do mesmo Haroldo de Campos).

Siscar escreve um texto também muito bom, cujo menor mérito é sabermos se responde ou não a Dohlnikoff. Define-o como “poeta visual”, embora eu esteja bem certo de ter lido um monte de poemas em verso de sua autoria. Dohlnikoff claramente não acha que o verso acabou.

Aliás, nem os poetas do concretismo, autores da célebre frase pé-na-porta sobre o “ciclo histórico do verso” ter acabado (Augusto de Campos escreve versos, p.e., Haroldo de Campos escreveu, & Décio Pignatari também).

Pensemos que, naquela altura das coisas, Geração de 45 & etc., se eles não dessem uma verdadeira chacoalhada nas coisas, nada iria se mover. A arte do escândalo, advogada, entre inúmeros modernos, por Dalí.

E, embora Siscar também defina Dohlnikoff como “vinculado à linhagem do concretismo brasileiro”, o que é bem possível (sou em geral desinformado sobre filiações, me perdoem o eremitismo), lemos em seu texto uma postura crítica independente, que reconhece os méritos da poesia concreta, mas é capaz de criticá-la em diversos passos.

Também não me ficou clara essa adesão de Dohlnikoff à poesia visual, que Siscar critica na oposição “visualista” e “verbalista”, suposta lá. Se houvesse essa oposição, também eu a criticaria, com Siscar. Mas entendo que Dohlnikoff falou a favor das variadas possibilidades de poesia, usando exemplos de Pedro Xisto & de Augusto de Campos para demonstrar que as grandes questões são exploradas por poetas com obra visual de interesse.

Mas o que de fato importa no texto de Siscar é sua habilidade notável & sutil de discutir a questão do verso moderno & contemporâneo, a partir de Mallarmé, como um uso pensado dos espaços na página, a modulação com os momentos de silêncio, a escolha de onde destacar a atenção do leitor pelo uso de metro conhecido, onde cortar, sobretudo quando não se corta mais apenas por questão de métrica regular. Siscar matiza bastante uma discussão que costuma ser insensivelmente de preto no branco.

E tem absoluta razão em dizer que não há volta ao verso, porque nunca se saiu dele. E que não há saída dele, numa situação de alternativa.

A sutileza & perícia com que fala de Mallarmé, & partindo dele para supor explorações igualmente sutis por poetas posteriores, é muito justa com o nível de excelência de Mallarmé como poeta pensante da arte do verso.

E essa arte exige, naturalmente, poetas de mesma sutileza & inteligência para explorá-la com algum proveito.

O Brasil, no entanto, com o esquema editorial & crítico que conhecemos, não me parece que veria uma obra-prima nem se a esfregássemos no seu nariz.

Acho, na verdade, que essa é a questão.

Não saímos de um esquema incapaz de perceber, há mais de cem anos, Sousândrade, por exemplo, ou Sapateiro Silva.

Poetas & poemas bons & complexos há, hoje, & de todo tipo, mas editoras, críticos, universidades (& mesmo muitos poetas) bancam aqueles célebres três macacos: o surdo, o cego & o mudo.

E daí acontecem as perguntas daquela velha fórmula ubi sunt? “Onde estão os grandes poetas, hoje”?

Mas a pergunta correta seria: “você tem certeza de que está olhando no lugar certo?”

Porque eu acho, em geral, que não.

11 comentários:

Rodrigo D. disse...

É um grande debate, sem dúvidas. De uma maneira geral, o Siscar escreveu um ótimo ensaio — no entanto, não me parece que abra tantas possibilidades para uma sequência na discussão. Não digo que a questão tenha se encerrado, mas se afunilou bastante.

No mais, concordo com a sua leitura, sobretudo com relação ao Dolhnikoff — acho o ensaio dele muito acertado e esclarecedor quando trata de formalismo/informalismo, etc.

Permaneci insatisfeito, no entanto, em relação às tais "grandes questões" — não que eu estivesses esperando que um deles fizesse uma lista das grandes questões a serem tratadas pelos poetas contemporâneos, mas é que não estou convencido de que a fome e a demissão da crítica estejam entre elas (se é que elas existem).

Ricardo Domeneck disse...

Caro Villa,

Feliz em ver que você entrou, de certa maneira, na discussão.

Muito além da suposta dicotomia entre o verbal e o visual, que parece ser o pano de fundo para o debate entre Dohlnikoff e Siscar, a grande contribuição deste texto de Siscar está justamente, como você bem apontou, na saudável e brilhante (em minha opinião) discussão do ensaio "Crise de vers", de Mallarmé. Parece-me de uma simplicidade luminosa, a maneira como Siscar parte da discussão da tradução do título do ensaio de Mallarmé, para empreender uma análise muito perspicaz dos debates que abriram trincheiras nos últimos 50 anos. Quando pedi a permissão de Siscar para reproduzir o ensaio na Modo de Usar & Co., meu entusiasmo estava na possibilidade de debater esta "crise de versos", e não a usual "crise do verso" que as serais da catástrofe sibilam por todos os cantos.

Beijos

Ricardo Domeneck

Ricardo Domeneck disse...

"sereias", I meant.

Dirceu Villa disse...

r.d., caro mio,

as "grandes questões" são aquelas que transcendem, imagino, o umbigo do poeta, & compreendem a percepção do mundo num sentido relacional.

Não que sejam grandiloqüentes (deus nos livre), mas implicam mais do que o poeta acha de si & das coisas.

Acho que quando Mairéad Byrne escreve um poema imitando o noticiário de TV americana sobre a guerra do Iraque, fragmentando as frases de modo que não saia nada coerente do ponto de vista cursivo, ele imita também a distopia de guerra, faz do Iraque um não-lugar, que aponta tanto para a guerra quanto para o que o noticiário faz dela. Critica, de um modo preciso & comovente, sem ser panfletária.

Ou Derek Walcott, no início do brilhante Omeros, quando os cortadores de madeira se preparam: "the trees have to die.' So, fists jam in our jacket,//cause the heights was cold and our breath making feathers/
like the mist, we pass the rum. When it came back, it/
give us spirit to turn into murderers."

Ele aborda uma questão das grandes sem fazer discurso, em versos poderosos & (aparentemente)simples.

Ou, no exemplo do Pedro Xisto do Dohlnikoff, o do "ZEN", é preciso uma compreensão plástica muito exata para compor aquilo, figura perfeitamente o equilíbrio, nos apresenta a coisa de um modo direto, assim como nos meus exemplos anteriores.

Acho que o Dohlnikoff, quando fala do texto do Franchetti, está falando de problemas de crítica (como aliás o próprio Franchetti fala, naquele texto). Sou da opinião de que a crítica anda enrolada, ou anestesiada: é servil a escritores que têm poder midiático, anda sem critérios, & sem prospecção própria.

A propósito, r.d., muy bueno o teu blog.

E Ricardo: yep, gostei muito da leitura do Siscar no caso do Mallarmé & dessa coisa particularmente periclitante que é o verso vulgarmente chamado "moderno". Siscar aplica muita atenção nesse ponto delicado de onde se corta o verso, & o papel que o espaço em branco desempenha, muito além de servir num sentido estrutural concreto (para o que também serviu, é claro). Mallarmé era muito sutil. Os melhores poetas do século XX, também. Cocteau, no magnífico "Cap de bonne espérance", demonstra que essa é uma lição que pôde ser aprendida num sentido muito específico pela poesia cubista. Pound aprenderia com ele, & não com Apollinaire, inversamente ao que diz Octavio Paz. Enfim, passons.

D.

Dirceu Villa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rodrigo D. disse...

Estou de acordo tanto com você, Dirceu, quanto com o Domeneck: a análise que o Siscar faz do ensaio e da poética de Mallarmé é brilhante. Não sei se é exagero, mas me parece que já é uma visão inevitável - ela precisará ser levada em conta daqui pra frente.

Quanto às "grandes questões", aceito e compreendo o seu ponto. Acho que não há objeção possível à necessidade do poeta transcender o próprio umbigo. Talvez a minha desconfiança em relação às grandes questões tenha vindo mais da relação que fiz entre isso e, como você frisou (para negar), a grandiloquência. É que, ao pensarmos "grandes questões", é muito provável que pensemos apenas em "grandes temas" — e eu tendo a acreditar que é possível transcender o próprio umbigo e "compreender a percepção do mundo num sentido relacional" (como você disse muito bem) com temas inegavelmente menores do que guerras, por exemplo. Penso, por ora, num soneto de Camões ou num poema como "Autobiographia Literaria", do Frank O'Hara:

(...)

If anyone was looking
for me I hid behind a
tree and cried out "I am
an orphan."

And here I am, the
center of all beauty!
writing these poems!
Imagine!

De qualquer maneira, como eu já disse, entendo perfeitamente a sua visão: são reconhecíveis as grandes questões (os grandes temas) de uma "Divina Comédia" ou de "Poesia Liberdade", livros que tanto me interessam. Portanto, acho que o impasse aqui acaba sendo um pouco falso e estaríamos falando da mesma coisa.

E agradeço o elogio.

Abraço

Dirceu Villa disse...

Inteiramente de acordo, r.d.

Abrazo,

D.

Marcos Siscar disse...

Caro Dirceu,

Dei uma passada no seu blog, depois do chilique do Dolhnikoff, na Sibila. E só tenho que agradecer pela sua leitura ponderada da discussão. Acho mesmo que há um problema com a crítica, mas talvez a miopia tenha mais do que uma causa – das quais não se pode excluir a vontade subjacente de não olhar, ou de não ouvir, como explico abaixo.

No que me concerne, acho que em algum momento vou acabar voltando ao primeiro texto do "debate" com o Dolhnikoff (debate que, convenhamos, nunca aconteceu). A relação entre aquele texto e o último, sobre Mallarmé, diz respeito justamente às possibilidades de "sequência na discussão", como diz o Ricardo, e que é o essencial na história toda.

Não respondi diretamente ao primeiro texto do Dolhnikoff, nem esse era meu objetivo, porque ele leu de modo totalmente equivocado o que escrevi – como outros, é verdade, mas de modo impaciente e arrogante. Não há do que discordar, num caso assim. O que restava para discutir – o que seria de interesse público, digamos – é a interpretação que ele faz da distinção entre verbal e visual como estruturante da poesia brasileira. (Que ele se classifique ou não como poeta visual não faz diferença alguma no meu texto).

Nesse sentido, reler Mallarmé foi meu modo de explicitar a mistificação do discurso da poesia concreta (que a necessidade de chacoalhar as coisas, num certo momento histórico, é uma justificativa, mas a meu ver também um pretexto). Foi o modo que encontrei de recolocar em discussão o que todos consideram como evidente e indiscutível, a exemplo do Dolhnikoff.

De modo semelhante, no meu primeiro ensaio, sobre a "cisma da poesia brasileira", o propósito do texto é mostrar que a interpretação que opõe forma e experiência é um "discurso" (não é uma definição de poema): é um discurso histórico e traumático, de que aliás a poesia contemporânea tentaria escapar. Do qual se sentiriam efeitos na própria crítica, quando embarca na idéia de "multiplicidade" pacificada. É a lógica que o artigo tentava articular.

A tese geral desses dois textos é a de que a poesia está sempre em crise, de que o essencial da poesia é a crise, que ela vive disso, inclusive historicamente, e que tal crise não é função da consciência poética, nem é sintoma de sua inconsciência. Acho que uma das coisas essenciais hoje é se perguntar que tipo de interesse está por trás da idéia (bastante difundida em jornais e instituições de ensino) de que a poesia está "em crise".

Apontar a crise (o fim) da poesia, ou a “inércia” do verbal, é um modo de ficar surdo para Mallarmé, e para a poesia (como crise). É um modo evidente de atenuá-la.

Abraços, Marcos

Dirceu Villa disse...

Marcos, caríssimo,

realmente apreciei muito a fineza do seu modo de ler Mallarmé com matizes que, ao menos por estas bandas, não se acham. Creio que naquela parte de seu texto você dá uma contribuição definida para se pensar no assunto do verso desde o sutilíssimo francês & o amplia em relação à apropriação que os concretos fizeram dele, necessariamente para um uso de vanguarda, mas que se generalizou tornando-se O modo de ler Mallarmé por aqui.

Quando você diz "mistificação", no entanto, penso que, de certo modo, é o papel de uma vanguarda, & usaria o termo apenas num sentido neutro. Porque qqer vanguarda precisa assumir posturas extremas, permitindo que leiamos mistificação lá, dependendo do que formos procurar. Picabia, que postei há pouco, também terá sido muito "mistificador", nesse sentido, como inúmeros outros sob as mesmas condições.

Mas vejo isso como provocação, mesmo: me parece óbvio que ninguém realmente acabaria com o verso com um decreto. Na época em que os concretos lançaram seus escândalos, o caso é que não houve ninguém que pudesse responder decentemente a eles, & não num sentido de se contrapor (conservadores de toda espécie havia em boa quantidade, & se fizeram ouvir, como sempre), mas de propor alternativas de mesma ousadia; ou mesmo quem tivesse o humor de não levar a coisa a ferro & fogo, entendendo o aplicar da convenção do escândalo no sentido específico dos propósitos deles.

Falta, em tudo aquilo, também, um pouco de humor. É o que penso. Mas, considerando em retrospectiva, como poderia ser diferente? Poesia sempre foi, por aqui, um nicho onde se espremem todos os poucos praticantes, ignorados & autofagicamente. É talvez natural que a coisa descambe para uma síndrome da cabana: presos juntos, num espaço exíguo, costuma dar nisso.

Aprecio mais no seu texto o uso de Mallarmé para discutir questões do verso do que a parte que atende ao calor da polêmica com Dohlnikoff, assim como no dele pouco me importa o que pensa de você (a parte ad hominem do que ele escreve): toda pessoalidade tende ao injusto, nesses casos. Sei que deve parecer sobretudo besta dizer isso, mas a parte realmente abrasiva dessa história é, para mim, irrelevante em ambas as partes, porque não me elucida nada.

De qqer forma, nesse meio acontecem asperezas, como disse: é inevitável. Seja porque as pessoas se exaltam, seja por pura & simples má-fé. O texto de Dohlnikoff na Sibila que responde ao seu na Modo de Usar evidentemente explora coisas semelhantes às que me fizeram coçar a cabeça no texto que escrevi para este blog, mas já estão num campo muito pessoal, para onde em geral as polêmicas acabam sendo levadas.

Mas, deixando isso de lado (quero dizer o último texto na Sibila, o estilo de batalha, as imprecisões de parte a parte) Dohlnikoff também tem feito perguntas & críticas consistentes a um monte de hábitos empedernidos da poesia recente no Brasil. Não concordo com muita coisa do que diz, nem, muitas vezes, com o estilo em que decide fazê-lo, o que nada mais é que natural, mas como crítico ele também apontou inconsistências de muita acomodação morna nos Estados Unidos do Brazil, levando o nome de poesia pelo mero fato de que vem sob esse nome.

A questão é delicada, & suponho que estamos apenas no começo de revolver o assunto de maneira apropriada para um resultado que inclua tudo o que é necessário. Talvez mesmo as aperezas revelem que alguns pontos começaram a ser levantados. Mas não vejo como "crise", seja hoje ou como condição permanente para entender o verso. É a questão do termo, apenas, & não do argumento, com o qual concordo. Porque honestamente não vejo a coisa em termos de crise, & estou falando isso, é certo, muito menos como crítico do que poeta.

Vai daqui um abraço,

D.

Marcos Siscar disse...

Caro Dirceu, agradeço pela atenção e pelos esclarecimentos.

Reiterando, digo que não há debate propriamente com o Dolhnikoff, em resumo, porque ele e eu não falamos da mesma coisa. Você acha que isso é um modo “áspero” de colocar as coisas? O fato é que o primeiro texto dele confunde a minha “Cisma...” com uma defesa da poesia contemporânea. Não é. Pega uma idéia que eu cito, analiso e da qual discordo (nos termos em que é colocada) e tira conseqüências dela pra dizer o que ele, pessoalmente, acha sobre a poesia e a vida. Tem coisas que ele diz com que concordo (embora engraçadamente ditas “contra” mim), outras não.

Peguei uma dessas idéias, que acho que tem alguma importância, não porque é dele, mas porque é partilhada por muitos, e cuja obviedade e inocência oculta uma política de poesia, tanto quanto uma visão da história da poesia, e analisei no texto “Poetas à beira...”. Cito o nome do Dolhnikoff e remeto ao texto dele, apenas para dar concretude a um tipo de discurso sobre a poesia contemporânea.

Sem querer pesar muito na discussão, volto a isso.

Trata-se da idéia da oposição entre visual e verbal como estruturante da história literária recente, e do verbal como “inércia”. É uma leitura levada a sério por muita gente, sem humor nenhum, ainda hoje. É uma idéia que carrega consigo valores e preconceitos típicos da ideologia de vanguarda. Por exemplo, o valor e o preconceito de que a poesia deve buscar a novidade, de que deve buscar algo que não tenha sido feito ou dito antes. Não é apenas a leitura de Mallarmé que está em jogo.

Você tem todo o direito de dizer que a produção do mito (ou a mistificação) do fim do verso, pelo concretismo, foi necessária, no sentido da provocação de vanguarda. Foi necessária do ponto de vista da vanguarda. Por outro lado, eu tenho o direito de demonstrar que foi um “blefe” (e uma mistificação, num outro sentido). Qual a diferença? Para mim, a primeira maneira de ver as coisas faz a discussão emperrar de um jeito que não interessa à poesia hoje. A segunda é a minha tentativa de reabrir um veio de discussão no qual se possa experienciar de outro modo a poesia.

Até por isso não digo que o verso, ou a poesia, está “em crise” (ou, versão oposta e igualmente problemática: que tudo está ótimo, que somos todos grandes poetas, etc.). O que digo é que, antes que o discurso crítico viesse a falar de crise da cultura, de crise da poesia, a poesia (como um tipo de discurso cultural) já estabelecia uma visão das coisas baseada produtivamente na “crise”, no dilema, no conflito como motor da experiência.

Nesse sentido, que é um sentido fecundo e não restritivo, a poesia sempre esteve “em crise”. É sua virtude e é sua fragilidade. É aquilo que me interessa nela e que a discussão sobre suportes (visual, verbal) deixa de lado porque parte de uma relação soberana e pacificada com a linguagem e com a “forma”.

Por isso (apesar da ambigüidade do termo), me esforço de levar o debate para esse lado. A não ser que queiramos repetir o papel de gerentes de qualidade da poesia (ou, num sentido mais antigo, de mestres de oficina – de uma oficina ou, como você diz, de uma “cabana”, devassada hoje por vários tipos de interferências poderosas, não só no Brasil), ou o papel de revisores ideológicos da lucidez que supostamente falta à poesia, é preciso ter a coragem de mostrar onde está a sua grandeza, onde essa grandeza ainda pode ser sentida, apesar de tudo.

E aqui o papel de crítico não se distingue muito do papel do poeta.

Outro abraço, Marcos

Anônimo disse...

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