quinta-feira, 16 de abril de 2009

O MASP, EXPOSTO


Chateaubriand, estátua, & Bardi, bancando uma.

Lendo & folheando um catálogo, de 1957, da excursão da recém reunida coleção do MASP, de passagem pelo Toledo Museum of Art, dos EUA, me recordei de falar das múltiplas exposições que estão sendo exibidas no andar do acervo permanente, & recomendo a todos uma visita a elas assim que puderem.

Creio que ao todo sejam quatro, mas posso estar esquecendo algo:

1) há a exposição da arte do retrato, que começa com o busto de Voltaire, esculpido por Jean-Antoine Houdon, em 1778, quando o filósofo já quase não tinha mais cabelos ou dentes & em breve partiria desta para pior (mas lá está o sorriso discreto & irônico do grande malandro, que lembramos jovem & garboso no elegante retrato a óleo de Nicolas de Largillière);

2) há a exposição que propõe um trajeto desde a têmpera de Bernardo Daddi (século XIV) até os modernos (senti falta do Vestido Estampado, de 1891, de Vuillard, bela obra do acervo permanente do MASP, que poderia ter integrado a exposição);


Chaïm Soutine, A Grande Árvore

3) há a exposição de paisagens, onde se destacam duas pinturas de árvores, uma de Cézanne, caracteristicamente pintada com manchas geométricas de tinta, sugerindo o vento, & a outra de Soutine, de vigorosas pinceladas de tinta espessa, árvore quase fantasmal, propostas em comparação;

François Clouet, A Toilette de Diana

4) & há a exposição que nos oferece uma série de visões do emprego do mito, como tema recorrente na arte ocidental, na qual estão expostos o quadro de François Clouet da toilette de Vênus, um dos grandes pontos altos do museu; a bela edição milanesa do livro de Vincenzo Cartari, Le vere e nove imagini de gli dei degli antichi (1615), ilustrada por Filippo Ferroverde, aberta na página que conta a história ovidiana de Baco & os piratas tirrenos (aqui o link para a minha tradução das Metamorfoses, aos curiosos pela história: http://www.germinaliteratura.com.br/officina6.htm); & as duas estátuas: a Bacante & a Diana Adormecida, cuja disposição convida a um cotejo de como o decoro concebia a representação daquelas figuras opostas: Diana, casta, está vestida, calça suas sandálias & tem no rosto uma serena expressão de repouso, & a bacante, nua, cuja taça de vinho está emborcada & derrama o líquido divino, tem os lábios lubricamente entreabertos sugerindo gozo; há as maiólicas, sobretudo de Urbino, representando cenas míticas & um bom etc.

Gravura de Ferroverde para o livro de Cartari, ilustrando a mítica pintura alegórica da Calúnia, de Apeles, relatada por Luciano de Samósata, Leon Battista Alberti & pintada enfim por Botticelli, num quadro do acervo dos Uffizi em Florença.

A excursão de 1957, representada no velho catálogo One hundred paintings from the São Paulo Museum of Art, me fez recordar o fato de que o genovês Pietro Maria Bardi, naturalizado brasileiro, montara esse museu com extremo requinte crítico (& aí temos um exemplo de como empregar bem as faculdades críticas): as maiores coleções da Europa & da América já existiam, o esplendor de museus imensos & variadíssimos, como o Louvre, os Uffizi, a National Gallery, o Prado & o Metropolitan Museum of Art, entre outros, & desse modo Bardi fez a escolha mais intrépida & a mais inteligente, que exigia, é claro, um brilhante (& intrépido) connoisseur, isto é, ele mesmo.

A escolha foi montar um museu com obras menores dos grandes mestres, que ainda pudesse encontrar disponíveis (ou que se tornassem, em leilões internacionais) & complementar o acervo com obras-primas de petits-maîtres, ou artistas não tão requisitados em coleções monumentais (além de, especialmente mais tarde, receber doações de artistas contemporâneos). Assim fez-se o MASP. Perdão, houve a máquina catalisadora, de poder, chamada Assis Chateaubriand, que pagou & arranjou quem pudesse pagar, das famílias riquíssimas ou empresas, pelas aquisições.

Mas por que uma coisa me lembrou de outra? Porque agora, este museu que aniversariou seus 60 anos, explora bem com essas quatro exposições o potencial de seu variado & precioso acervo permanente, reunido em apenas uma sala que o visitante curioso ou deslumbrado pode desfrutar em uma hora & meia ou duas de passeio.

Hans Holbein, Retrato de Henry Howard, Conde de Surrey

As obras-primas estão lá: o Hans Memling com a espantosa pintura de mínimos detalhes do corpete de Maria Madalena; o retrato de Surrey, o desafortunado poeta inglês, pelo impecável Holbein; o Velázquez que retrata o quase rei do Brasil durante a dominação espanhola de Portugal, o Conde-Duque de Olivares; o Torso, de Matisse; a Arlesienne de Van Gogh, com seus volumes de Dickens & Beecher-Stowe à mesa; a cigana de Corot; os Goyas, Rembrandt, Rafaello Sanzio, etc. Senti falta, compensada por todas as outras presenças, evidentemente, dos Ingres (sobretudo a Angélica) & do Príapo de Poussin, que está em reparos.


Hans Memling, A Virgem, São João, e Três Mulheres Santas

É uma excelente oportunidade de rever essa magnífica coleção, não apenas de telas, têmperas em madeira & afresco, mas também com alguns exemplares raros da biblioteca, uns tantos brasileiros (como o auto-retrato de Pancetti, ou a bizarra cabeça de Greta Garbo, de Ernesto de Fiori), gravuras, pratos, tigelas, a tumba romana, esculturas: um curso de arte ocidental conciso & eficaz, em duas horas, & com a significativa melhora (Deo gratias) na iluminação das peças, que agora partilham com a Pinacoteca aquela aparência de "luz interna".

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