quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

façam suas apostas


desbastar do crânio
toneladas de palavras:
quem cultiva o balbucio
que coma suas mil larvas;

enquanto penteio palavras
a contrapelo,
vinte inválidos palermas
contam favas;

mas trouxe maçaricos,
lança-chamas
e o belo incêndio que verão
engolirá os trapaceiros
de plantão;
“crises”, direi, “como no almoço;
coveiros literários,
sepultados com seus ossos”.

ler livros que não passam
de farrapos?
ou reunir, numa feira de acepipes,
velhos trapos?

quantos dormem
aturdidos pelo vento
— uma existência miserável?
a estátua patética e grotesca
de anhangüera bandeirante,
com merda na cabeça
em pé no trianon?

não despertarão
do sono estético de estante?
o merencório de janela, com o anestésico
que compra com a dor
de liquidação,
oscila entre o verso
ou algum outro remédio
da emoção.

“poeta bom é poeta morto”
diz o lema da crítica,
ano um.
desentoca aquela mítica
fúria, alecto velha e cancerosa
que invade venenosa
o labirinto da memória.

mas mesmo diante
dos macacos:
cego, surdo e mudo,
a poesia vive
e não requer escudo
pra batalha,
a despeito de paspalhos
e outras tralhas.

os estados unidos do brasil
gostam de remendos
na velhíssima antigualha
sociopatológica de ocasião,
por isso a inapetência
não descreve
a história dos costumes
engessados em fardão;

críticos/poetas de sala de estar:
mentes com picotes
de onde destacar.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Roda Viva + Donizete Galvão

Algumas leituras são de arrepiar, como sabia Magritte


Superinterpretação

Andaram lendo coisa que não havia no meu texto "Pose & Poesia", infra. Eu deveria saber: basta adotar um tom satírico & minimamente polêmico para as pessoas acharem que é batalha fratricida. Não é.

Quem leu assim, leu mal horrorshow.



Artes: salve-se quem puder

No Roda Viva (TV Cultura) de ontem, o maestro João Carlos Martins foi entrevistado, & muitas perguntas visavam a desvantagem numérica do Brasil em relação, por exemplo, aos EUA, na quantidade de orquestras.

As respostas, obviamente, fizeram o circuito básico da imbecilidade do poder público no Brasil, e da pasmaceira geral no setor privado. Não poderia ser diferente. Além da ganância desmedida (já abordada pelo vosso Demônio outras vezes) de gente com um pingo de poder, há aquelas elementares falta de brio & inteligência.

Como remediar? As discussões ontem passaram pela questão educacional, que, na verdade, se quisermos ser apenas honestos, está no centro do dilema. Não só não há educação, como a pouca que existe é um desastre. É claro que não estamos falando somente de música, sendo esse blog, em sua colorida diversidade, essencialmente literário.

Martins falou uma coisa que é verdade para qqer arte, no Brasil, que vocês quiserem escolher: fica a cargo do brilho pessoal — & não vou aqui fazer um comentário político, cheio de alfinetes dentro, ao pianista. Em todos esses indivíduos que puderam deixar qqer coisa que preste, admirados em toda parte, é educativo perceber que se fizeram apenas por uma vontade adamantina & por uma qualidade de trabalho além da discussão. É o valor individual, sem conjuntura propícia nenhuma.

Pode parecer uma beleza heróica da autodeterminação, mas é igualmente a oficialidade do desmazelo completo, de uma falta completa de qqer noção de cultura & educação. A comparação numérica é apenas o topo visível do ridículo de um país gigantesco como esse ter índices liliputianos. Basta fazer o mesmo com livros, & comparar a quantidade de livrarias com a Argentina. Perdão, com Buenos Aires, que tem mais livrarias do que o Brasil inteiro.

Enfim, lamentar é para preguiçosos. A única coisa que realmente vale é o velho "mãos à obra". Mas não adianta ser um esforço cheio de meias medidas & panos quentes. Algum dia, excelência deverá significar alguma coisa para nós outros, se quisermos sobreviver.


Prosa, na prática

Donizete Galvão & equipe (composta de poetas & prosadores) começarão em março um curso de prosa ficcional na Academia Internacional de Cinema (AIC). Chama-se "Criação Literária na Prática", & a gente sempre supõe, de títulos objetivos, a virtude oficinal, muy subestimada everywhere.

A prosa é realmente uma arte que sofreu, no Brasil, com o hábito generalizado da telenovela & com o medo, também generalizado, de parágrafos com mais de três linhas — isto sou eu dizendo, & não Donizete nem nenhum dos outros professores, que não têm culpa das minhas declarações aberrantes, nem do meu prospecto a seguir.

Minha opinião — controversa & tudo mais — é a de que o artesanato sério da prosa depende de modo inevitável de uma familiaridade completa com a arte da prosa do século XVIII & de certos franceses do XIX. Não para se "imitar", nem para se fazer algo do "passado": é uma arte, & em uma arte, em primeiro lugar, a pessoa aprende como os mestres fizeram.

Devemos lembrar que, embora para um computador ou um carro ou um celular "passado" seja uma injúria, em arte & cultura é um tesouro de recursos.

É claro que dizer para um gênio brasileiro que ele deve aprender coisas pega mal, porque ele é um gênio, ou porque ele fugiu da escola para as artes porque queria um refúgio para sua ignorância. Não obstante, é aprender lendo & compreendendo o melhor; do contrário, fica-se numa escrita que beira o meramente anedótico, ou o jornalístico. Ou, o que ainda é pior, o "poético", adjetivo meloso que juro por São Dionísio não saber de que se trata.

Donizete Galvão é um dos poetas brasileiros vivíssimos que mais aprecio — &, a despeito disso, é um dos mais importantes poetas atuais. Já o convidei a falar de literatura em diversas ocasiões públicas, & sempre aprendi com ele. Aproveitem. Mais informações, por favor, aqui:

Angela Ferreira– tel. (11) 3826-7883
angela@aicinema.com.br
Donizete Galvão – tel. (11) 5182-0097
dgalvao@uol.com.br

ACADEMIA INTERNACIONAL DE CINEMA
Rua Dr. Gabriel dos Santos,142 Higienópolis SP

http://www.aicinema.com.br/ 11 3826 - 7883
http://us.mc530.mail.yahoo.com/mc/compose?to=info@aicinema.com.br

sábado, 20 de fevereiro de 2010

A POSE & A POESIA


Uma dica para quaisquer artistas iniciantes: sua arte não importa, importa sua pose.

O artista precisa entender o seguinte: NINGUÉM lê, & se sua arte não precisar de leitura, deve lembrar que, igualmente, ninguém entende nenhuma outra linguagem. O que as pessoas guardam, porque é a única coisa reprodutível & guardável, é a sua pose.

Pode percorrer jornais, revistas & blogs, & v. encontrará sobretudo um catálogo de poses, legíveis & elogiáveis.

O que é a pose?

É criar um método simples de identificação da rubrica de seu nome, normalmente ligada a alguma grande questão (perdoem o vocabulário) que a sociedade reconheça, & que agite aqueles seus pares importantes & de mentalidade de gelatina.

De modo que: v não precisa ser um artista, v. não precisa fazer absolutamente nada se tiver o tino (q se pode desenvolver) de acertar a pose que tenha a cara da época (perdão novamente pelo involuntário esbarrão).

É o que vai atrair a atenção. Ler é muito custoso & grotescamente fora de moda, basta captar a atenção. A pose tem um bordão, ela é citável, muito econômica, & atrai parceiros importantes no negócio das artes, quaisquer artes.

Para acertar a pose, é preciso estar atento às tendências. Na poesia há algumas, que são sobretudo muito fáceis, então sequer é preciso se preocupar com trabalho.

A mais em moda é a pose de negar qualquer tipo de forma; escrever coisas que pareçam descompromissadas impressões fragmentárias, mas que arredondem sentido algum, porque é importante que v. negue qqer possibilidade de fechar qqer coisa. A gente é democrática & politicamente correta, & é isso q v. tem de afagar.

“Forma”, “qualidade” & mesmo “poesia” são coisas do passado, & o passado, além de démodé, é ... buenas, o passado. Agora v. está fazendo um experimento de linguagem, questionando coisas, insinuando levemente, sendo existencial, v. não quer que te confundam com uma coisa que não interessa. Qualidade é um vestígio ideológico de totalitarismos.

Por isso é importante também que você ande com a turma certa. Obviamente, você deve criar à sua volta uma aparência ecumênica, você se interessa por tudo & não julga nada, porque qualidade é um vestígio ideológico de totalitarismos. Mantenha uma voz discordante de si por perto, para manter as aparências, & apague o resto da vista.

Seja simpático, corteje os poderosos, mas tenha um ar indócil que sugira capacidade crítica: por um lado, v. terá as facilidades cômodas &, por outro, terá o nobilitante de parecer capaz de discernimento. Mas não se esforce — lembre-se de que é uma pose —, porque o verdadeiro discernimento lhe custará tudo: fama, dinheiro, amigos, possibilidades de publicação & leitura, etc.

Ignore, também, os inteligentes, os habilidosos & os que tiverem verdadeiro discernimento. Ignore sobretudo talentos maiores do que o seu, esses são o grande perigo, a se evitar a todo custo: primeiro, porque qualidade é um mero vestígio de totalitarismos, segundo, porque, oras bolas, estamos falando de você. De te fabula narratur.

E que essa última observação não passe de um lapso. Latim?

Lembre-se de que a maioria, angustiada, vive no futuro, uns vivem como a Regan, com a cabeça torcida para o passado, & que o presente está despovoado, porque teria de integrar as duas coisas.

Para aplicar o acima exposto às outras artes é ainda mais simples.

Em artes plásticas é quase impossível fazer de outro jeito. Você quer dinheiro & galeristas? Caso não queira, faça outra coisa; uma arte, por exemplo.

Em música — caso v. não faça música pop — basta perceber que o gosto do público parou em meados do século XIX, & seu mínimo público quer apenas isso de você, o estro sinfônico zanzando insensivelmente de um lado para o outro. Ou, ao contrário, um público ainda menor — se v. quiser adulação crítica — quer que v. faça tudo, menos melodia, porque o passado, além de démodé, é ... buenas, o passado.

Em prosa: incorpore uma ou outra coisa moderna, para mostrar que v. é sacado, mas mantenha a base do século XIX. No Brasil, ignore tudo isso: você só precisa escrever parágrafos mínimos, & usar um vocabulário de 1000 palavras no máximo. Fale sobre coisas ditas fortes, p.e., loucura, suicídio, uma paixão estilosa & agridoce, ou algum outro desses tópicos bacanas, & v. será considerado o gênio da semana.

Querendo agradar público maior, seja um cantor ou compositor famoso antes, & depois escreva qqer coisa (esse esquema é tão bom que funciona para a poesia & as outras artes também); ou apresente um talk show, & depois escreva qqer coisa. Escreva bonito, seja sentimental, fuja de períodos subordinados & quem sabe não tira a sorte grande de virar filme para um público ainda maior?

Nunca se culpe, nem pense duas vezes: você não é uma farsa. Se não fosse você, outro o faria. Você reflete a sua época. Não é o que se espera da arte?

Quem tem tempo para ler, para entender? É uma época de biografias com tom de fábula, com lição de vida ao fim; de revistas & jornais com fotos maiores do que os textos; quem tem tempo para desenvolver uma arte? É hora de ser mole com o uso de referências de celebridades, ou de fazer um experimento mole de linguagem. É ou não é?

Strike a pose, como disse Madonna sabiamente (& faz algum tempo, 1989).

O espírito de época. Você não sente a passagem do espírito de época? Está piscando para você. Ele quer te pegar pelos cabelos. É fácil. Colabore.